São José: Amigo, Irmão e Pai

Marcionei Miguel da Silva

A vida de São José torna-se uma referência para quem acredita na força do amor que nasce da vontade de Deus. Numa sociedade movida pela imposição do subjetivismo e carregada de liberdades provisórias, temos a impressão de que é necessário qualificar nossas ações. É evidente que as respostas que José procurava não estavam prontas, mas também fica claro que a vida não se calava. A economia de palavras nas Sagradas Escrituras a respeito das ações e mesmo da vida de São José não diminui a grandeza de suas escolhas, do amor à família e da fidelidade ao Projeto de Vida que Deus lhe propôs. As facilidades que as escolhas sugerem nem sempre se configuram na prática. Não é possível tirar conclusões sobre o grau de felicidade que São José encontrou nas escolhas que fez depois que soube ouvir com carinho e atenção a vontade de Deus Pai. Temos a impressão que a acolhida à vontade de Deus tornou São José mais consciente da missão que lhe fora confiada: cuidar da Pessoa e da missão de Jesus e de Maria a mãe do menino, como afirma o Papa Francisco na Carta Patris Corde, publicada no dia 8 de dezembro de 2020 por ocasião dos 150 anos da festa de São José como padroeiro da Igreja.

Depois de Jesus e Maria, José é o principal Santo da Igreja. Isso não diminui em nada a grandeza dos outros santos, uma vez que o esposo da Mãe de Deus também serviu de inspiração à vida de muitos santos e santas. Os Evangelhos tecem comentários sucintos da vida de São José, contudo, é importante destacar que esses relatos são suficientes para compreender a essência desse santo, que soube colocar-se em silêncio diante do mistério da encarnação, sem deixar de cultivar uma intensa vida de oração em sua vida cotidiana. De alguma maneira a vida de São José nos leva a olhar para uma realidade moldada pela beleza da Sagrada Família, mesmo com as dificuldades. A reconstrução da vida de um humilde carpinteiro que foi escolhido por Deus para ser o pai de coração de seu filho amado e o esposo daquela que fora escolhida para ser a mãe do Salvador, nos faz pensar na responsabilidade que lhe foi pedida e na graça que Deus lhe concedeu. A vida de São José se parece com a nascente de um rio, pois nasce miudinha, pequena e límpida e depois se alarga no horizonte e vai tocando todas as margens que a natureza lhe brinda.

Ao pensar na atitude de São José diante da missão que lhe foi apresentada, ficamos impactados com sua postura diante da incompreensível situação que se apresentava. Somente à luz da fé tal contexto poderia ser assumido, compreendido e vivenciado com tanta notoriedade, simplicidade e serenidade de alma. A atitude extraordinária de São José está na sua capacidade de assumir de maneira extraordinária as questões ordinárias de seu cotidiano. Parafraseando São Leonardo Murialdo, podemos dizer que São José foi “extraordinário no ordinário”.

São José na Patris Corde do Papa Francisco

Depois de ler Patris Corde, do Papa Francisco, nos deparamos com a plenitude do amor de Deus e na sua absoluta confiança no ser humano, não obstante suas fragilidades. As informações dos Evangelhos sobre São José são claras: Sabemos que era um humilde carpinteiro (cf. Mt 13, 55), desposado com Maria (cf. Mt 1, 18; Lc 1, 27); um «homem justo» (Mt 1, 19), sempre pronto a cumprir a vontade de Deus manifestada na sua Lei (cf. Lc 2, 22.27.39) e através de quatro sonhos (cf. Mt 1, 20; 2, 13.19.22). Depois duma viagem longa e cansativa de Nazaré a Belém, viu o Messias nascer num estábulo, «por não haver lugar para eles» (Lc 2, 7) noutro sítio. Foi testemunha da adoração dos pastores (cf. Lc 2, 8-20) e dos Magos (cf. Mt 2, 1-12), que representavam respetivamente o povo de Israel e os povos pagãos (Cf. Patris Corde, Papa Francisco).

Ao longo da Carta o Papa Francisco associa José com os grandes personagens da Sagrada Escritura, como José do Egito e os profetas, sem deixar de falar de sua semelhança com os últimos, os mais pobres e humildes. O papel de José é extraordinário no sentido de ser mencionado por estar pensando em alguém com todas as forças de sua alma. Não vive para si ou para os seus interesses, mas de modo muito particular para os interesses do Pai: cuidar do menino Jesus e sua mãe. A paternidade legal de Jesus foi garantida por José em virtude da missão do menino “salvar o povo de seus pecados” (Mt 1,21). Era tradição para os povos antigos dar o nome a uma pessoa ou coisa, pois era exatamente em razão disso que que ela conseguia um título de pertença (Cf. Gn 2,19-20). José deu o nome a Jesus.

A leitura sobre a vida de José e a sua missão foi feita a partir de alguém que deveria estar sempre atento aos perigos do mundo, da sociedade cruel e dos governantes impiedosos. Em se tratando dos deveres colocados sobre os ombros, José foi alguém que não mediu esforços para que a missão daqueles que lhe foram confiados fosse plenamente desenvolvida. De alguma maneira, Deus quis precisar de José, de um homem simples, humilde, honesto e trabalhador para completar o seu propósito. Não se trata de incapacidade de Deus, mas de confiança no ser humano, não obstante a sua fragilidade. Não há desculpa para dizermos que não precisamos do outro para completar a nossa missão, uma vez que o próprio Deus nos mostrou que o caminho da salvação exige o entrelaçamento das mãos em diferentes espaços, sem medo das diferenças, sejam elas culturais, econômicas ou sociais. Aquilo que os relatos bíblicos nos revelam a respeito de José nos levam a pensar nas possibilidades de planos que o Senhor reserva para cada um de nós em particular. De alguma maneira somos todos convidados a cuidar do menino e sua mãe presente em nossas famílias, nos nossos filhos e na nossa postura enquanto cidadãos. Em cada criança que acolhemos, cuidamos, educamos e amamos se vê claramente a presença do Senhor e o espelho do Menino. Quando respeitamos as mulheres, amamos o nosso lar, dialogamos diante das diferenças e construímos novos paradigmas na construção de uma verdadeira família a partir da escuta, da oração, do silêncio, do perdão, do amor e da responsabilidade, nos damos conta de que a nossa história é delineada pelo sorriso de Deus.

Pio IX, no dia 8 de dezembro de 1870 declarou São José como Padroeiro da Igreja Católica. Isso não quer dizer que São José tenha sido padroeiro da Mãe Igreja apenas a partir desta data. Desde sempre São José cuidou da Igreja, ou seja, de todo o povo de Deus, desde sempre cuidou dos tesouros mais preciosos do céu e da terra. Cuidou tão bem que a Igreja precisou deixar também por escrito sobre a sua importância o que já estava no coração dela desde o nascimento. Se a Trindade inteira, juntamente com Maria, não achou demais ter José por perto como humilde carpinteiro, por entender que esse homem com coragem criativa é alguém que é amado e cuida sem deixar de ser terno, justo, acolhedor e obediente, tendo a consciência de que é a sombra de Deus Pai. É fundamental que todo o povo não tenha medo de recorrer a José para servir de inspiração aos seus projetos de vida. Não condição de esposo de Maria, a mãe de Deus, José foi um seguro baluarte, um esteio constante, uma presença inconfundível, uma rocha onde o lar da sagrada família desenhou sua plena fisionomia. Suas mãos calejadas não foram esquecidas. O Venerável Pio XII o apresentou como “Padroeiro dos operários”. Não pode haver homenagem mais pomposa para um operário do que ter São José como padroeiro. De alguma maneira, o operário percebe que o seu trabalho, sob a proteção de José, pode ser lembrado como aquele que amou sem impor condições, tendo presente que o suor de seu rosto rouba um sorriso daqueles a quem ele ama e é também profundamente amado.

São José, padroeiro da boa morte

São João Paulo II fala que José é o “Guardião do Redentor”, ou seja, um exímio educador que cuida de sua formação em todos os momentos da vida. Jesus nunca se sentiu órfão com José por perto. Assim precisamos entender a nossa missão na condição de pais: amar para cuidar e cuidar para ser amado. Na devoção popular, José é invocado como “padroeiro da boa morte”. De alguma maneira queremos lembrar de José em nosso último suspiro. A boa morte não significa morrer sem dor, mas ir ao encontro do Senhor com o coração livre de pecados. A boa morte significa colocar a nossa vida inteiramente nas mãos de Deus com o coração plenamente reconciliado com o Pai. Quem sempre tem a vida e a missão de José em seu coração jamais será abandonado ou esquecido na hora de seu último adeus. Assim como José partiu ladeado pelo seu filho amado e por sua querida esposa, sendo consolado pelas lágrimas do amor, nós também sentimos esse mesmo desejo em nosso coração: estar sendo consolado pelo Menino e sua mãe em nosso último adeus. Em tempos de pandemia da Covid-19, onde milhares de pessoas perderam suas vidas em situações dramáticas e dolorosas, a fé e a presença do amor tão evidenciadas em José tornam-se um alento diante da tristeza da perda de um ente querido.

Sobre a forma de vida de José não há muitas informações, mas sobre o modo como José viveu e a inspiração que ele nos oferece, tudo é muito encantador e extraordinário. Mais do que pensar sobre as particularidades da vida de José, temos a oportunidade de olhar José à luz do presépio, uma imagem permanente de amor que São Francisco nos deu de presente. José é aquele que cuida de quem corria risco de vida, de preconceito, de maus entendidos, de bulling, de apedrejamento e de morte. José corria risco de perder a honra, Maria de ser apedrejada e o menino de ser assassinado por Herodes. Tem-se a impressão de que Deus colocou essa família numa grande “enrascada”. Tinha tudo para dar errado, mas Deus “driblou” seus adversários de uma maneira espetacular sem recorrer a poderes mágicos, celestiais ou fora do alcance da fragilidade humana. O único recurso silencioso que Deus utilizou foi o aviso a José através dos sonhos. Tudo o que José precisou para entender plenamente o que deveria fazer foi colocar em prática a sua capacidade de escuta, obedecer sem medo e agir com prudência e responsabilidade no tempo certo. A mensagem de Deus é dita uma única vez para cada ação. Deus não repete o sonho para que José faça uma mesma ação. Para cada sonho uma missão diferente. Nesse sentido fica claro que José era um homem de oração, pois sabia colocar-se diante de Deus com prontidão; estava atento à sua meta, que era cuidar da missão e da pessoa de Jesus ao lado de sua esposa, por isso não passava despercebido tudo o que era dito a respeito dessa dimensão que lhe era sagrada. Nem mesmo enquanto dormia José deixava passar ao largo as orientações de Deus. A prontidão na obediência ao Pai só é possível quando o coração sabe escutar a partir da lógica do amor.

São José e os invisíveis da história

O Papa Francisco fez questão de resgatar o conceito de ternura na figura de José. “Dia após dia, José via Jesus crescer «em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens» (Lc 2, 52). Como o Senhor fez com Israel, assim ele ensinou Jesus a andar, segurando-O pela mão: era para Ele como o pai que levanta o filho contra o seu rosto, inclinava-se para Ele a fim de Lhe dar de comer (cf. Os 11, 3-4)” (cf. Patris Corde, p. 3). Em nossa sociedade é evidente a superficialidade nas relações humanas, a indiferença com o outro e a inconsistência das relações humanas. Há uma cegueira sobre as necessidades afetivas e uma profunda desumanidade com os invisíveis da história. É preciso educar o coração com ternura, paciência e amor. A falta de capacidade daquele que está aprendendo não pode ser motivo de irritação para quem está ensinando. O princípio da ternura não significa “rédea frouxa” ou isenção dos limites, mas capacidade de educar com carinho e de forma bem-intencionada, querendo sempre ver o bem do outro. Além da ternura, o Papa Francisco nos apresentou outras seis características de São José que devem ser vivenciadas por cada um de nós. O seu ponto de partida é o Pai Amado. Ser amado é ser lembrado, querido, abraçado e imitado. José foi amado por Deus, por Maria, por Jesus, por sua família, por seu povo e hoje é amado por todos nós. A sua coerência de vida nos faz amá-lo de maneira extraordinária. José foi amado, por isso teve a alegria de ter por perto durante toda sua vida as duas pessoas mais queridas de seu coração e de toda a humanidade. Nada pode ser mais reconfortante para um ser humano do que ser amado, sentir-se amado e ter a oportunidade de amar também. Tendo presente esse princípio, fica claro que o seu modo de agir precisava ser carregado de ternura, carinho e bem-querer. Ao dar-se conta de que aqueles que ele amava e por quem era amado também tinham uma missão diferente da dele, de alguma forma também poderia completar a sua própria missão. José quis abrir mão de seus projetos pessoais para colocar os de Deus em primeiro plano. Nesse sentido, fica claro que a sua obediência não arrancou sua liberdade, mas lhe fez compreender a plenitude de sua missão. Quanto mais José obedecia a vontade de Deus, mas robusta ficava sua liberdade. O Papa Francisco nos lembra, ainda, que José foi Pai no acolhimento.

Os planos de sua querida família são revelados a José de maneira muito peculiar e serena. Ao acolher a missão que o Pai confiou a Jesus, José abraça o próprio menino. Ao colocar nas mãos de Deus aquilo que foge a qualquer plano racional, José não duvida das intenções do Pai, apenas acolhe na lógica da fé o que lhe fora dado. As intenções do Pai vão ficando mais soberbas e desafiadoras para o Menino e sua Mãe. José, ciente de que Deus quis colocar em prática o Projeto de seu Reino a partir da fragilidade de uma humilde e simpática família nos “confins do mundo”, o que José faz é acolher com alegria no coração aquilo que não anula o seu projeto de vida, mas o enriquece de maneira nunca dantes percebida. O acolhimento de José o eleva em santidade e em sabedoria. Isso lhe trouxe desafios, e, por vezes, sofrimento. Diante dos desafios muitas reflexões o angustiaram, pois aquilo que estava sendo lhe pedido parecia maior do que aquilo que ele poderia oferecer.

São José trabalhador, com coragem criativa e sombra de Deus

A sua fé lhe manteve de pé. O Papa Francisco nos fala, ainda, de José na condição de Pai com coragem criativa. Isso significa que devemos saber nos colocar nas mãos de Deus em situações adversas. Se não temos tudo o que precisamos, faz-se necessário agir com o pouco que dispomos. A coragem criativa não significa “espírito de aventureiro”, mas percepção de oportunidades nas pequenas coisas da vida. Se não temos uma realidade ideal, o que podemos fazer com a realidade que nos pertence e que nos foi confiada? Outra dimensão é a de Pai Trabalhador. Em nosso país celebramos o dia 1º de maio como Dia do Trabalhador tendo São José como padroeiro. Enquanto trabalhamos silenciamos nossa alma e nosso coração e permitimos que nossas mãos modelem e criem uma nova realidade. Pedimos a São José que no oriente e nos guie com responsabilidade em nosso trabalho para evitar acidentes e nos despertar a dignidade e o princípio ético em tudo o que fazemos. Os direitos e os deveres devem ser assegurados e o respeito garantido. Não se trata de apenas ter trabalho, mas de ser valorizado pelo trabalho que se faz. Por fim, o Papa Francisco nos faz pensar em José como Pai na sombra. José é a sombra na terra do Pai celeste. O que Jesus faz com o menino é exatamente aquilo que Deus Pai tem presente em sua mente e em seu coração. “José guarda-O, protege-O, segue seus passos sem nunca se afastar d’Ele” (cf. Patris Corde, p. 10).

Fica claro, portanto, que ser Pai é dar condições ao filho para que ele conquiste o mundo batendo suas próprias asas, sem esquecer de que a vida vai sendo moldada pelas belas experiências filtradas pelo coração. Quero concluir com os pensamentos do Papa Francisco: “A felicidade de José não se situa na lógica do sacrifício de si mesmo, mas na lógica do dom de si mesmo. Naquele homem, nunca se nota frustração, mas apenas confiança. O seu silêncio persistente não inclui lamentações, mas sempre gestos concretos de confiança”. Por fim, conclui o Papa: “Toda a verdadeira vocação nasce do dom de si mesmo, que é a maturação do simples sacrifício. Mesmo no sacerdócio e na vida consagrada, requer-se este gênero de maturidade. Quando uma vocação matrimonial, celibatária ou virginal não chega à maturação do dom de si mesmo, detendo-se apenas na lógica do sacrifício, então, em vez de significar a beleza e a alegria do amor, corre o risco de exprimir infelicidade, tristeza e frustração”. (Cf. Patris Corde, p. 11). A atualidade de São José se faz presente quando cultivamos uma profunda vida de oração, fazemos silêncio para ouvir a voz de Deus que se manifesta nos irmãos e nos acontecimentos cotidianos da vida, colocamos o Projeto do Pai como prioridade no curso de nossa existência, ficamos atento aos perigos que podem comprometer os planos que Deus tem para aqueles que amamos (José salvou o menino e sua mãe do perigo), assumimos a educação com amor, paciência e atenção, estendemos a mão aos migrantes, imigrantes e refugiados, cuidamos do órfão e dos necessitados e assumimos o trabalho com alegria e motivação interior. Que São José, juntamente com São Francisco, o irmão dos pobres, dos oprimidos e um fervoroso seguidor de Jesus, nos ensinem a viver com autenticidade o nosso projeto de vida a partir do amor de Deus.


Marcionei Miguel da Silva nasceu em Braço do Norte – SC em 1972. Possui Licenciatura plena em Filosofia e História pela FAFIMC (Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada Conceição) em Viamão/RS (1997) e graduação em Teologia pelo Instituto Teológico Paulo VI de Londrina/PR (2001). Também é especialista em juventude em São Leopoldo/RS (Unisinos – 2001) e em Gestão Escolar através do Polo de Criciúma/SC (Uninter-2019) e está concluindo a segunda licenciatura em Histórica (Uninter 2021). Tem Mestrado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul em Porto Alegre – PUC/RS (2008) com a Dissertação: José no mistério da Encarnação: aspectos teológicos pastorais para a paternidade responsável. Atualmente trabalha na educação e é professor efetivo de Filosofia, História e Ensino Religioso na Rede Pública Estadual de Santa Catarina, CRE de Criciúma – SC. Nos passos de São José, à luz da Sagrada Família, conduz a sua história de vida.

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